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Consumir soja aumenta o risco de cancro da mama?

O cancro da mama é das doenças que mais assusta as mulheres e, por isso mesmo, são muitos os conselhos para prevenir esta patologia partilhados online. Evitar o consumo de produtos à base de soja é um deles. Mas será eficaz?

6 Out 2023 - 08:00
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Consumir soja aumenta o risco de cancro da mama?

O cancro da mama é das doenças que mais assusta as mulheres e, por isso mesmo, são muitos os conselhos para prevenir esta patologia partilhados online. Evitar o consumo de produtos à base de soja é um deles. Mas será eficaz?

As redes sociais e os blogues são um manancial de conselhos sobre as melhores formas de prevenir esta ou aquela doença. Uma das ideias que circula nesses meios é que as mulheres devem evitar o consumo de produtos à base de soja por esta leguminosa estar, alegadamente, associada ao aumento do risco de desenvolver cancro da mama.

Em declarações ao Viral, Paula Ravasco, médica, nutricionista e diretora do Programa de Pós-graduação Internacional “Nutrição e Metabolismo em Oncologia” da Universidade Católica Portuguesa esclarece a veracidade destas alegações.

Consumir soja aumenta o risco de aparecimento de cancro da mama?

soja cancro da mama

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Para Paula Ravasco, a resposta é não. Não há evidência científica que prove que consumir soja aumente o risco de desenvolver cancro da mama.

Aliás, a especialista lembra que “já existe uma vasta literatura a mostrar uma associação positiva entre a ingestão de soja e a prevenção do aparecimento de um tumor primário da mama”, sobretudo se esse consumo se iniciou em idades jovens, como a adolescência. 

Essa posição está também defendida num artigo divulgado no site da American Cancer Society, em que se pode ler que, “até agora, as evidências não apontam para quaisquer perigos do consumo de soja para as pessoas e os benefícios para a saúde parecem superar qualquer potencial risco”.

O mesmo foi declarado pela American Society of Clinical Oncology na página que a organização científica dedica à literacia da população sobre o cancro, e em que faz um apanhado da evidência sobre esta questão. 

Nessa publicação, são citados estudos como esta meta-análise de 2014, esta investigação publicada em 2009 e este trabalho publicado no American Journal of Clinical Nutrition, que apontam para o potencial fator protetor da soja relativamente ao desenvolvimento do cancro da mama.

Também as investigações mais recentes continuam a sugerir um aparente fator protetor da soja para o cancro da mama. Exemplo disso é este trabalho publicado em 2020 no European Journal of Epidemiology.

E em quem já tem a doença?

soja cancro da mama

A única advertência que Paula Ravasco faz quanto ao consumo de produtos à base de soja é para as pessoas que têm doença oncológica da mama ativa – nomeadamente o chamado cancro com recetores hormonais positivos, seja de estrogénio ou progesterona – ou em remissão após o tratamento.

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Isto porque, explica a especialista, as terapêuticas usadas para o tratamento deste grupo específico de patologias – nomeadamente o tamoxifeno ou outros que atuem ao nível hormonal – têm como função “bloquear os recetores de estrogénio”. Assim sendo, tendo em conta que “as isoflavonas da soja têm um efeito pró-estrogénico” poderão, eventualmente, “concorrer na mesma via de atuação”.

Apesar de reconhecer que “não existe nenhum estudo que demonstre que a soja está associada a uma recaída da doença” ou à quebra no efeito da terapêutica, o que tem sido a prática médica é desaconselhar o consumo de produtos à base de soja devido ao receio que a terapêutica – reconhecida como “muito eficaz no controlo a longo prazo da recidiva – não alcance os resultados pretendidos.

Não obstante, começa a surgir literatura (como este estudo já citado e este publicado em 2012) a sugerir ser seguro para as mulheres com esta patologia continuar a consumir soja, embora os autores destas investigações apontem a necessidade de mais investigação.

No caso deste grupo específico de mulheres, o que a nutricionista aconselha é partilhar com a equipa médica os hábitos alimentares e de suplementação para, em conjunto, decidirem qual a melhor estratégia para aquela doente em particular.

Contudo, reforça a nutricionista, “em mulheres saudáveis, que não têm patologia oncológica ou patologia associada à neoplasia da mama, o consumo de soja é seguro e tem-se provado ser benéfico na prevenção da doença”.

O que está por trás da associação feita nas redes sociais?

soja cancro da mama

Na opinião de Paula Ravasco, a explicação possível para a propagação desta ideia na internet é, precisamente, pelo efeito pró-estrogénico da soja. 

“O que sabemos é que as isoflavonas de soja mimetizam os efeitos do estrogénio”, explica a nutricionista.

Aliás, é precisamente por este efeito que, muitas vezes, até é recomendado às mulheres na fase do climatério o consumo de produtos à base de soja, ou até de suplementos feitos a partir desta leguminosa, para reduzir os sintomas associados a esta época da vida da mulher, que antecede a menopausa, causados pela diminuição dos níveis hormonais.

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Todavia, por conseguir ter um efeito semelhante ao do estrogénio, a alegação de que as isoflavonas estariam na origem do desenvolvimento do cancro com recetores hormonais positivos “é apenas teórica” e sem demonstração clínica e científica. 

Isto porque, explica a nutricionista, “o efeito fisiopatológico das isoflavonas de soja não tem a mesma potência que o estrogénio endógeno, que é produzido pela mulher”.

Quais são os benefícios nutricionais da soja?

Com cada vez mais opções nas prateleiras das pequenas e grandes superfícies comerciais, a soja está a entrar nos hábitos alimentares nacionais, seja pela leguminosa em si, seja através de alimentos feitos à base desta, como o tofu, o tempeh ou o miso.

Nesse sentido, Paula Ravasco adianta que, “do ponto de vista nutricional, a soja tem muitas características positivas”.

Da família das leguminosas – da qual também fazem parte o grão, o feijão e as lentilhas – a soja caracteriza-se por ser rica em selénio, em cobre, em micronutrientes, vitaminas e ácido fólico e ser pobre em gordura. 

Porém, o grande destaque vai para os elevados níveis de proteína da soja. 

Se o feijão e as lentilhas têm, aproximadamente, a mesma quantidade absoluta de proteína por 100 gramas de produto que a carne e o peixe, “a soja tem quase o dobro da quantidade de proteína por 100 gramas de produto, que é, de longe, a sua principal característica positiva”, sublinha a nutricionista.

A questão é que a biodisponibilidade da proteína de origem vegetal, e a forma como é metabolizada pelo organismo, é diferente da proteína animal, além de que não possui todos os aminoácidos que o organismo necessita. 

Ainda assim, recorda Paula Ravasco, “o que está recomendado hoje para uma dieta considerada saudável é que haja um equilíbrio entre o consumo de proteína de origem animal e o consumo de proteína de origem vegetal, onde encontramos, o feijão, as lentilhas e, claro, a soja”.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

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Categorias:

Alimentação | cancro

Etiquetas:

Produtos naturais

6 Out 2023 - 08:00

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